“A dança dava seus primeiros passos para questionar uma identidade ainda arcaica, cheia de preconceitos do público.”
Relembrar, discutir e até criticar a dança em Goiás, de 1970 aos anos 2000, veio como um desejoso exercício mental e emocional, pois foi nesse período que minha formação como bailarino/ator foi construída na cidade de Goiânia.
A Quasar, com a direção de Henrique Rodovalho, me abriu os olhos e aprimorou minha paixão e técnica pela dança, e a possibilidade de mesclar dança-teatro. Período muito inspirador para um aspirante a bailarino como eu naquela época. Lembro-me de ficar no fundo da sala de aula tentando imitar e aprender com feras da dança como Paulo Pacheco, Tassiana Stacciarini, Vera Bicalho, Luciana Caetano, Ederson Xavier, Luciane Xavier, Hugo Montalvão, Durval Ibler, e muitos outros grandes talentos.
Eu vinha do teatro, era adolescente, estava mudando de voz, nunca ganhava textos longos em companhias teatrais das quais participava (Ex.: Teatro da Liberdade, de Hugo Zorzetti, ou no Teatro Universitário, de Carlos Fernando Magalhães). Naturalmente fui me transformando em uma espécie de ator físico e engraçado. Essa época foi um período definitivo na pesquisa de novas formas de expressão na área das artes em Goiânia. Meu interesse em aperfeiçoar a dança contemporânea foi através da Quasar e, na dança moderna, com o Balé do estado de Goiás, sob a direção da talentosa Marlen Kênia, que coreografou um épico na dança no estado: Cerrado Descerrado.
Tive a sorte de participar profissionalmente desses projetos que marcaram e delinearam meu perfil como artista, não somente por trabalhar e aprender com diretores tão únicos e talentosos, mas por tecer uma rede de amizade e colaboração com meus colegas da época que se estende até os dias de hoje. Tratando de revelar os fios da memória, é importante ressaltar o Grupo Via Láctea, com direção coletiva, e o Grupo Energia, com as coreografias avant garde de Julson Henrique. Naquela época se fazia teatro pelo amor ao teatro, pela vontade quase cega de fazer arte, visto que não havia editais que viabilizavam produções como hoje em dia.
Transformar um sonho em realidade, consolidar um estilo próprio, manter um grupo e lidar com as logísticas de produção e captação de verbas ficavam, na maioria das vezes, longe demais de um resultado final promissor. E foi assim, na cara e na coragem, que a arte em Goiás foi se desenvolvendo, com a persistência e resiliência de poucos.
Quando me mudei definitivamente do Brasil para a Europa, em meados de 1995, fiquei chocado com a realidade do Velho Mundo. A dança na Europa estava em um processo de pesquisa fortíssimo de evolução e sofisticação, e eu demorei para me adaptar, pois o estilo que eu trazia já era déjà vu para eles.
Enquanto isso, em Goiás, a dança dava seus primeiros passos para questionar uma identidade ainda arcaica, cheia de preconceitos do público e da indolência dos órgãos governamentais em assimilar a arte como parte de um diálogo democrático.
Um salve à Quasar Cia. de Dança!
Criada em 1988, por Vera Bicalho e Henrique Rodovalho, foi a primeira companhia totalmente independente de Goiás. Teve reconhecimento nacional logo no início da década de 1990 e alçou voos internacionais compondo o rol de companhias de dança contemporânea do Brasil há mais de 25 anos.