Última Gota

Participar do processo de construção do Última Gota foi muito prazeroso e, claro, intenso. Circulamos por três anos em Goiânia, pelo interior de Goiás, por algumas cidades do Brasil e até no exterior. Éramos um grupo de cinco bailarinos mergulhados na intensidade da Cristiane Santos, que criava, e também nos deixava abertos a criar, uma série de respostas corporais às inquietações surgidas ao longo do processo criativo do trabalho.

Um trabalho tão tenso, no sentido dramatúrgico, coreográfico e musical, que nosso esforço era tamanho para segui-lo a cada entrada e saída de cena. Isso era tão recorrente que, em vários trechos, chegávamos ao limite do esgotamento físico, fazendo valer a saga do es(gota)mento proposto.

A água que encerrava o espetáculo, às vezes, tão fria, fazendo-nos dançar tremendo o queixo, trazia para mim um grande alívio por ter chegado até ali. “Sim, conseguimos mais uma vez” – eu suspirava. Sempre vislumbrava que a água fria, o palco escorregadio, a instabilidade e a relação que estabelecíamos em cena criavam uma atmosfera muito prazerosa e partilhada.

Partilhada porque sabíamos como nos ajudar e conectar entre achados e perdidos de marcações coreográficas que acabavam tornando-se secundárias no instante em que nos atentávamos mais ao desfrute que o momento trazia. Dominávamos tanto esse momento que chegamos ao ponto de conseguir identificar poças d’água e direcioná-las à plateia, de modo propositalmente divertido.

A leveza que o fim do trabalho trazia, em contraponto a toda agonia carregada, era uma espécie de redenção, de recomeço da nossa caminhada. Uma marcha que se reiniciava a cada dança que fazíamos, a cada palco que partilhávamos.

Esse “banho” era o momento que nos olhávamos de modo mais sincero, sem vaidades. Acredito que isso contribuiu, inclusive, para criação de um elo que ainda nos liga cada vez que nos esbarramos pela cidade, mesmo já não fazendo parte do Grupo Nômades, o que é sempre muito bom.

“vislumbrava que a água fria, o palco escorregadio, a instabilidade e a relação que estabelecíamos em cena criavam uma atmosfera muito prazerosa e partilhada.”

"Eu dança no cenário onde eu ajudei a construir [...]"

por: Anna Behatriz Azevêdo

Sobre o grupo

Nômades

Fundado em 2002, em Goiânia pela bailarina e coreógrafa Cristiane Santos como núcleo experimental de dança no antigo CEFET-GO, hoje Instituto Federal de Goiás. Atua como grupo independente desde 2004, circulando com seus trabalhos nacionalmente e participando da cena cultural goiana.